segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Zhimo Inspirou-me...

Ao longo dos 5.000 anos históricos da China, houve dois apogeus de intercâmbio cultural: a transculturação ocidental, cujo ponto de partida foi o fim da dinastia Ming e o início da Qing, em termos de tempo, e foi Macau, em termos regionais...

Foi assim que o Prof.Dr. Lei Heong Iok citou muito precisamente o Académico Ji Xianli, "Grande Mestre da Sinologia", no prefácio dedicado aos Aspectos Teórico-Práticos de Tradução - Português/Chinês ( 2002).
Seria justíssimo promover à lusofonia uma literatura chinesa moderna através da investigação e tradução das obras de Xu Zhimo, tendo novamente Macau como ponto de partida.

Nesta circunstância, senti plenamente o significado da aprendizagem das obras de Xu, e ainda mais, por ter sido em português.
Zhimo procurou sempre o "amor", a "liberdade"e a "beleza", e segundo Hu Shih, conhecido no Ocidente pelo seu cargo de embaixador chinês nos Estados Unidos, o poeta fez parte de uma geração a que pertenceram Hu e Ji, que "traduziu"do estrangeiro um conhecimento que directa ou indirectamente influenciou o pensamento chinês moderno e contemporâneo, apesar de terem estas ilustres personalidades chinesas, distintos sentidos e fins de vida.
Impressionado pelo Romantismo inglês, Xu traduziu e apresentou não só à China a literatura ocidental, mas também a si próprio:
- Foi Cambridge que me fez abrir os olhos, foi Cambridge que alimentou a minha curiosidade e deu o embrião à minha auto-consciência.
No seu poema "Cambridge, Adeus" (de zaijian - voltar a ver-nos), datado de 8 de Outubro de 1922, e anterior à sua "Segunda Despedida a Cambridge", vê-se já claramente a sua paixão e "dependência" sentimental da cidade.

A sua emoção poética e sentimental deixou-nos também alguns lindíssimos topónimos ocidentais traduzidos para o chinês, como é o caso de Firenze, traduzido como Frio Jade, no célebre poema Una Notte a Firenza, cujo conteúdo era muitíssimo aberto para a China da altura:

Vais partir amanhã? Então eu... eu..
....

És o meu mestre, amo o meu benfeitor,
Ensinaste-me o que era a vida, o que era o amor.
Despertaste-me do meu coma
, levaste-me a inocência.
Sem ti, como é que eu sei se é alto o céu, se é verde a erva?
Toca o meu coração, vê como bate rápido;
Toca o meu rosto, queimado pela escuridão desta noite
Não se vê amor, não consigo respirar,
Não me beijes; não suporto este fogo violento,
A minha alma sobre tijolos ardentes,
Ferro forjado sob o martelo, bate, bate,
Faíscas saltando flutuam perdidamente, espalhando-se, caindo....
.....................

Tentei traduzir literalmente um excerto do poema composto por Xu em 1925, numa notte estrangeira, numa colina saudosa e solitária, ao lado de uma amante imaginária.


Com a implantação da República na China, o movimento de 4 de Maio, do qual fez parte a elite intelectual chinesa e o próprio Xu Zhimo, faz nascer o desejo de liberdade, de amor, de paixão e de tudo o que a China não tinha vivido durante tantos séculos.

Xu Zhimo é um dos maiores poetas da "nova poesia", faz parte da primeira geração após a queda do Grande Império Celestial, e ainda que influenciado pela cultura ocidental, a sua formação e o domínio da língua clássica chinesa, não foram afectados.

O que Xu Zhimo ( Hsu Chih-Mo) e as suas obras me inspiram, é que sendo eu um chinês, devo conhecer toda a história e a cultura de Xu, e que sendo um chinês natural de Macau, tenho o dever de consciência de apresentar o que sei da cultura chinesa aos lusófonos.

Este é o meu trabalho de exame, mas mais, é a minha conclusão do primeiro semestre de aprendizagem da Literatura Comparada.

Cheong Kin Man , Miguel, 4 ano - Turma A ( SA 520206)

Segunda Despedida a Cambridge - Xu Zhimo

Parto sem ninguém dar por isso,
Tal como cheguei,
Acenando com o braço
Para me despedir do Ocidente.

Aquele clarão dourado ao pé da margem,
É a noiva ao pôr-do-sol,
A sombra reflectida no rio.
Agita-se em mim.

Preso à lama macia,
Nenúfar luzidio embalado pela água do rio.
No meio das suaves ondas do Rio de Cambridge
Queria ser essa flor aquática.

Ali, debaixo do ulmo,
Não é uma fonte, não,
Mas arco-íris celestial,
Reflexo descontínuo no meio das algas,
Do sonho igual a ele.

Mas não posso cantar,
O silêncio é a flauta da despedida;
Por mim calam-se os insectos,
O silêncio é esta noite de Cambridge.

Parto devagar,
Como cheguei,
Acenando com a manga da cabaia
Sem poder levar nada.

Xu Zhimo ( tradução de José e Maria - alunos da primeira licenciatura- com a ajuda de Ana Dias)

Xu Zhimo - Entre a Tradição e o Ocidente


Foi preciso esperar que a Literatura Chinesa reconhecesse o seu talento como romântico dos novos tempos...
Xu Zhimo ( 1897-1931) nasceu numa família abastada; o seu pai, um industrial bem sucedido, foi presidente da Câmara do Comércio de Haining - Zherjiang. Zhimo teve uma educação chinesa clássica.
Em 1916 entra para a Universidade de Beryan - Tianjin, e no ano seguinte segue os cursos do célebre professor Liang Qichao. Em 1918 parte para os E.U.A. para estudar Finanças, mas influenciado pelo filósofo inglês Russel, decide mudar-se para o King's College de Cambridge.

"Foi Cambridge que me abriu os olhos, que me deu a sede do conhecimento e onde tomei conhecimento de mim mesmo" (Zhimo)

Regressa à China em 1929 onde foi professor nas Universidades de Pequim, Suzhou e Nankin.
Em 1923 funda a revista da sociedade literária "Lua Nova", onde participam letrados famosos, entre eles, Zhou Zuoren, Liang Shiqiu e Wen Yduo.

A sua vida amorosa foi atribulada, intensa e inspiradora da sua poesia.

Morre em 1931, com 34 anos, num acidente de aviação.

A sua obra, fazendo embora parte do património histórico e literário chinês, pertence a todos nós.